Igor Garcia / Isabela Golçavez / James Soares / Joana Andrade
Igor Garcia
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Um dia eu me canso de fingir. De que gosto da sua música. De que me faz bem sua companhia. De que compartilho das suas ideias, de que seus sonhos são os meus também. Um dia esse meu sangue grosso e impuro cansará meu coração de o ficar bombeando, sairá pelos meus poros e será vermelho-morto. Um dia. Enquanto isso, tudo é carnaval. Meus dentes amarelos continuarão sorrindo. E minha eterna hipocrisia será o seu alento.
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Isabela Gonçalvez
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O Levitar da Mente
As sementes das flores embarcam no vento,
Germinam na terra sem pretensão.
As águas lubrificam os caminhos das minhocas
E os túneis servem de passagem para os esquilos terrestres.
Porque em alguns momentos a natureza engana o tempo?
O simples mexer das flores desenha a eternidade.
Vejo áureas quando olho para o céu.
Elas são coloridas, róseas, cor de tomate.
Fico sem entender se o que vejo existe dentro de mim,
Ou se a realidade é tal como os brilhos de poeira.
Brilhos de poeira transcendem a escuridão.
Mexem com os sorrisos daqueles que já não habitam na Terra.
Encontram a beleza do Celeste Império dos Deuses,
E ensopam de pureza até mesmo a tristeza.
A realidade funciona como milhares de camadas
Que a cada momento posso deslumbrar.
Visto meus olhos de luneta,
Mas a realidade também é como uma mexerica seca.
Cheia de gomos, uns do lado do outro.
É difícil demais puxar a essência desse tanto de cheiro.
O que eu sei é que a vida é cheia de sorrisos
Que possuem películas de sentidos.
Funciona como a Terra, com todos os seus musgos e fungos.
Existe para ser desvendada, entendida.
Os humanos tilintam de som o eco sem palavras.
Ficam mudos diante de tanta imensidão.
A Sincronia celeste cobre a essência das sensações,
E eu diante disso tudo, apenas me calo sobre esse mundo cheio de solidão.
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James Soares
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Aquele câncer que te corrói por dentro, o inimigo interno que nesse caso não é físico. Você não morre de verdade disso, antes morre-se. Mas o frio é constante, tal qual um cadáver dentro da gaveta no IML. A diferença é que mortos não sentem dor. E dói o tempo todo. Não como a dor de um machucado, mas como algo que lhe foi arrancado e nunca cicatrizou. Uma alma amputada. Amputada de tal modo que só restam pedaços que não se juntam e deixam o vazio, que nunca é preenchido e se aprofunda. Dói. E nem as doses de morfina habituais resolvem o problema, só aliviam a dor por um tempo, que volta com força devastadora. Volta com tal intensidade que o desejo de morrer é uma constante. O problema é que você não morre de verdade, talvez por medo, talvez por acreditar que um dia o buraco vai ser preenchido. Mas você sente que não vai. E apaga. Todos os dias. Seu modo de se aproximar da morte, de aliviar a dor de modo satisfatório. Mas você sabe que não passa de uma dose de morfina, e que quando acordar, a dor não vai ter desaparecido. Antes não tivesse acordado.
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Tem muita merda embaixo do esgoto
Abram os porões
Abram as prisões
Derrubem os portões
O que você tem a esconder?
O que você tem que proteger?
Memórias aprisionadas
Sonhos enjaulados
Vidas soterradas
Lembranças apagadas
Mães desesperadas
Idéias esquecidas
Pessoas iludidas
Mentes manipuladas
Famílias despedaçadas
Cotidiano da ditadura?
Não
é só rotina brasileira
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Joana Andrade
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Valsa
desacordada
Tua sombra caminha
Sozinha se encontra
Em minha direção
Tuas mãos me conduzem
Para o salão
E as fontes dançam
Como nunca farão
Caminhamos em notas
Do velho piano:
Toque de prazer
Só mais uma taça
Desse espumante
E a felicidade surge
Em mãos borbulhantes
Fecham-se os olhos
Lábios se tocam:
A música parou
O doce veneno
Passeia em veias
Consome o medo
Atormenta ideias
Abrem-se os olhos
E cá estou
Eu,
A lua,
E só.
(Joana Andrade)
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Errante do mundo
Um grão fora da duna
Um raio fora do sol
Uma moeda fora da fortuna
Uma isca fora do anzol.
Um orvalho no deserto
Um floco de neve no verão
Um ser longe do perto
Um diferente na multidão.
Uma grama no concreto
Uma nota fora do tom
Um para-lama bem no teto
Uma voz sem som.
Sem cá nem lá
Sem aqui nem ali
Sou assim, meio sem fim...
Enfim,
Um menestrel chinfrim.
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E quando se possui dois lados extremamente opostos?
Os sorrisos aparecem de maneira tão intensa assim como, logo depois, surgem as lágrimas. E essas escorrem como dois rios que desembocam em uma caverna de palavras e escuridão.
É que quando olho para uma bolha de sabão ou experimento uma bala jujuba, me aparecem imagens felizes e radiantes e isso toda conta do meu ser!
Mas a bolha estoura. A bala dissolve. E os raios se apagam. E isso... toma conta do meu ser. Tudo assim, tão de repente!
É que quando falo "sim", também falo "não" e talvez ambos significam "talvez".
É que quando quero doce, também quero salgado, e amargo, e azedo...
É que quando escuto violino, também quero guitarra, tambor e cavaquinho.
É que quando o coração pede companhia e consegue, ele já não quer mais. Mas quando quer e não consegue, chora. E quando consegue sem querer, se alegra muito mais. Mas quando já não se aguenta de tanto esperar, se entrega de uma vez e se mata de prazer... pra depois doer, e doer e doer... pra depois se levantar de novo e sorrir!
Às vezes quero ser notada com um batom vermelho. Mas às vezes só quero ser um rastro de perfume bem ligeiro.
Será um parafuso a menos? A mais? Um problema genético ou psíquico? Já nem sei. E também não quero saber. Ou quero? É... acho que não.
Andar sempre na corda bamba me dá uma exaustão na alma!
Ah! Mas o que é que tem?
Eu odeio ser extremista. É simplesmente um máximo!
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